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REQUIEM POR UM RIO

Relato de uma jornada de pesca de um possível pescador(a), neste caso uma companheira espanhola, num não menos possível Rio Côa:
O Rio Côa
Eu não pesco. Mas que maneira de começar uma fantástica história de pesca! Eu não pesco mas o meu marido sim. Tudo começa numa segunda-feira à noite. Aurelio pergunta: Azu, vamos pescar amanhã? Está bem, respondo eu iludida. Sempre compreendi o vício, mais que o gosto, do meu marido em relação à pesca com mosca, mas apesar disso hoje foi a prova de fogo. Já vos conto. Saímos o mais cedo que se pode sair quando temos dois filhos pequenotes; primeiro há que deixá-los com a avó.
Chegámos ao rio ao meio-dia; almoçámos com apetite e preparámo-nos para começar o que, sem o saber, iria ser um excitante e formoso dia no rio. Uma hora mais tarde já estávamos na água e começámos a vadear. Como tantas outras vezes o ambiente que me rodeia enche-me de uma paz que nunca encontrei em nenhum outro lugar. As trutas estão um poucochinho difíceis e comentamos o facto entre risos e esperanças. Eu, enquanto Aurélio lança uma vez e outra, experimenta esta mosca e aquela, fala sozinho, olha para o céu, comenta - se chovesse um pouco! - sinto estar no paraíso. E eu digo-lhe, não te queixes, se ainda vês algumas e já conseguiste prender algumas. E ele sempre a dizer, sim, mas pequenas.
E assim foram cinco, as horas que passámos no rio como se fossem apenas cinco segundos. De volta ao carro, e ele leva no cesto quatro trutas que, no meu fraco entender, não são nada más. Passo as horas observando-o, maravilhada com tão bonitos lançamentos. E cada vez que alguma sobe à superfície para comer, grito emocionada: olha uma, estás a vê-la, apanha-a!
Decidimos ficar para o entardecer. É a minha primeira vez. Em todos os outros crepúsculos eu esperava em casa até que ele chegasse, umas vezes acordada, muitas outras preocupada no sofá. Foi tão...Não sei como contar, senti-me como se tivesse outra vez dez anos e tivesse passado os momentos mais divertidos do mundo. Ver, viver e gozar o modo como o meu marido, depois de se lhe terem escapado duas trutas de tamanho considerável, lutava com uma que era enorme, que não deixava de batalhar tentando escapar, dobrando a cana de tal modo que eu não podia pensar em mais nada se não deitar-me à água na tentativa de a apanhar, sem parar de comentar; que grande, que bonita, é enorme! Não posso crer! Queres a rede? Aurélio, que faço, queres ajuda?
E ele, tranquilo, com uma cara tão especial como só a tinha visto duas vezes antes - nos dias em que nasceram os nossos filhos - não parava de me dizer sem se alterar: deixa-a, que lute, o mais bonito na pesca é isto, a luta, olha como resiste e tenta escapar, deixa que lute e possamos medir forças. E eu, com tudo isto, histérica, desejando que por fim entrasse para a rede não só a truta mas sim o rio inteiro. Enfim, senti até vontade de chorar...
Agora é uma hora da madrugada, Cheguei a casa, beijei os nossos filhos e, enquanto dormiam, contei-lhes que finalmente tinha compreendido muitas coisas. Eu não pesco. Mas o prazer que me proporciona tudo aquilo que posso ouvir, cheirar e ver no rio, nas árvores...., desejo com toda a minha alma que os meus filhos, um dia, também aprendam a senti-lo. Foi maravilhoso. Aurélio fala sempre com paixão depois de um arrasador dia de pesca, e hoje compreendi tudo isso enquanto durava aquela luta. Um minuto que valerá uma eternidade.
Azucena Díez Gascón
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